11/08/2015

A "democracia" dos bancos suiços

"Zangam-se as comadres, sabem-se as verdades" - EUA e RU, bases do sistema financeiro parasitário global, receando a perda de controlo do sistema, dão mostras de alguma ansiedade face ao crescente protagonismo doutros pólos financeiros mundiais. 

Daí que assistamos à representação destes 'entreactos', de suposta luta contra a corrupção, produzidos precisamente pelos próprios centros que são os 'pais' da corrupção - que a fazem mascarada sob formas 'legais', ou seja, dentro das regras que eles-mesmos instituiram à escala planetária e lhes permitem uma extorsão ad infinitum - beliscada por outros usurários da alta finança, sendo que a Suiça é um dos mais antigos e experientes. 


Quando o sistema entra em crise e passa ao formato financeirizado, há que contar cada milhão, melhor, cada bilião, a esta escala. No fim do dia é o que está em causa - a redução ou aumento dos lucros das várias 'aves' da rapina financeira global.

A presente análise tem por referência o escândalo que rebentou há cerca de um ano atrás, de fuga aos impostos envolvendo milhares de magnatas de todo o mundo com base em bancos suíços, que depositavam nas suas contas os capitais evadidos ilegalmente.

Embora a investigação parta dos EUA, este país é apenas um dos investigados, já que os inquéritos se estendem à França, ao Reino Unido, a Portugal, e a muitos outros países.

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Tradução de partes dum artigo do New York Times (clicar aí para a leitura do original). De notar que o NYT é um jornal dito liberal (significa de esquerda, nos EUA), portanto  faz parte da linha ligada a Obama ou Clinton, aquela que percebeu a nova correlação de forças mundial e ensaia métodos diferentes de dominação, que passam por evitar a intervenção militar direta como no passado (agora usam agentes locais, bombardeamentos a alta altitude ou drones, mas a devastação é igual ou pior), não rejeitando a negociação, que apenas troca a guerra militar pela comercial, informativa, cultural e informática, ou por métodos como estes supostos combates à corrupção que visam apenas eliminar os concorrentes.

É a esta luz que o artigo seguinte deve ser lido. 




«Na semana passada, Pierre-Condamin Gerbier, ex-agente/empregado bancário, foi submetido a um procurador suíço sob acusações de violação do segredo profissional por fuga de informações para as autoridades francesas. Tais informações forçaram a renúncia no ano passado dum ministro das Finanças francês, que tinha contas secretas na Suíça numa fase em que o seu próprio governo lutava contra a evasão fiscal. O resultado é que estes empregados bancários - apanhados no meio duma luta entre instituições judiciais - estão 'tramados' qualquer que seja o lado que decidam ajudar.

É por isso que, estando a ser pressionados para revelar os seus segredos ou os dos clientes, pelas autoridades americanas e outras que investigam evasões fiscais e demais crimes, eles optam por manter o código do silêncio. 

Para estes agentes bancários cujas funções podem provocar processos legais no estrangeiro, o silêncio significa evitar a extradição e poderem ficar na Suíça a viver num limbo legal e pessoal.

Se você der com a língua nos dentes está social e financeiramente morto" - disse Rudolf M. Elmer, que dirigia a operação nas Caraíbas do banco suíço Julius Baer até 2002, e está sob investigação [das autoridades suiças] desde há nove anos, por divulgar informações secretas de clientes a partir dum posto avançado nas Ilhas Cayman às autoridades fiscais da Suíça e do estrangeiro. "Você enfrenta a ameaça de ir parar à prisão. A sua carreira bancária está arruinada. Você nunca mais vai conseguir emprego" [na Suiça].


Descrevendo toda uma vida de técnicas dignas de James Bond (que ironizava num filme de 1999: "Se você não confia num banqueiro suíço, que mundo é este?"), os agentes bancários entrevistados disseram que uma das práticas sob investigação criminal intensiva - o recrutamento clandestino de clientes nos Estados Unidos - não só era conhecido pelos seus chefes, como faz parte do modelo de negócio.

Um agente bancário veterano, que não quis ser identificado por medo de ser acusado na Suíça por violação de sigilo, disse que cada empregado que trabalhou com clientes americanos seguia estritas normas de segurança.

Ele disse que os agentes dos bancos levavam computadores portáteis especiais, formatados para poderem apagar a informação instantaneamente tocando numas teclas, e impressoras portáteis para evitar deixar qualquer vestígio. Eles evitavam ficar nos mesmos hotéis de luxo duas vezes, mudando-se imediatamente se alguém os reconhecia ou chamava pelo nome. Cortavam o nome dos recibos bancários. Os clientes telefonavam de telefones públicos, usando nomes de código.

Ele disse que andava com listas de papel separadas, uma com números de código e outras com os nomes. Esses nomes nunca apareciam em registos bancários, porque estavam protegidos por um labirinto de fundos offshore e de fundações, disse. O interesse destes agentes bancários suíços para as autoridades americanas, segundo ele, é que os agentes sabem as identidades dos clientes, uma vez que se encontravam com eles em eventos de classe alta como o Art Basel em Miami Beach ou torneios de golfe.

"Tudo isto foi feito durante muitos anos", diz o agente bancário. "Toda a gente sabia. Lembro-me de uma festa há alguns anos atrás com outros agentes bancários em que eu disse: 'vocês sabem que nós estamos sempre com um pé na prisão'. Todos riram. Talvez por isso éramos tão bem pagos",


Embora estas histórias pareçam situar-se numa fase "quente" do sistema bancário suíço, a cultura continua a mesma, dizem os agentes bancários, os reguladores e outros especialistas.

"Em rigor nada mudou fundamentalmente", disse Jean Ziegler, socióloga e escritora suíça. "O grande problema dos bancos é que violar o sigilo é considerado traição".

Os bancos suíços gerem mais de US $ 6 triliões em ativos []Nota: 9 vezes o PIB da Suiça, de US $ 684,5 biliões, em 2013], mais de metade provenientes do estrangeiro, números que se têm mantido relativamente estáveis, mesmo durante a crise económica e as pressões de governos no exterior para uma maior transparência dos depositantes, de acordo com Daniela Fluckiger, porta-voz para a área comercial da Associação Suíça de Bancários.

Até à data, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos acusou mais de 35 agentes bancários suíços e 25 consultores financeiros por má conduta e evasão fiscal. Seis foram condenados ou declararam-se culpados.

Raoul Weil, ex-chefe do negócio de gestão de riqueza global da UBS, aguarda julgamento em prisão domiciliar no centro de Nova Jersey com uma pulseira de segurança. Os outros vivem basicamente exilados no seu próprio país.

Alguns agentes bancários sob investigação dizem que seus próprios bancos lhes recusaram hipotecas e fecharam as suas contas por receio de perderem reputação. Um deles sofreu uma invasão domiciliar de madrugada [na Suiça, obviamente] e levaram-lhe o computador e o telefone. 

Agora estes empregados dos bancos interrogam-se se os 100 ou mais bancos suíços vão entregar os mais de 1.000 nomes e respetiva informação aos Estados Unidos, de acordo com a Associação Suiça de Bancários, área comercial. O Departamento de Justiça disse que estes nomes são necessários para investigar os impostos sonegados pelos bancos, agentes e consultores implicados.

"Vamos fazer o máximo para que os empregados não paguem pelas estratégias dos seus chefes", disse Denise Chervet, um porta-voz da associação. "É inacreditável que, agora, alguns dos altos executivos afirmem que não sabiam".

Para muitos destes empregados bancários, o caso do sr. Elmer é instrutivo. Agora desempregado, ele foi preso durante mais de 200 dias e, algumas vezes, mantido em isolamento durante as investigações [suiças] por violações de sigilo - mesmo tendo entregue essas violações às autoridades fiscais suíças.

O sr. Elmer tem um contencioso com o seu ex-banco por causa deste ter posto detectives particulares a seguirem-lhe a família em 2011, tentando descobrir o património da sua filha, o que prova com documentos.

Um porta-voz do banco Julius Baer - um dos que está sob investigação nos Estados Unidos por evasão fiscal - recusou-se a discutir o caso do sr. Elmer.

Nos últimos anos, o sr. Elmer observou como os ex-colegas enfrentam escolhas difíceis semelhantes sobre a quebra do código de silêncio absoluto. Nenhum deles, segundo diz, 'rachou'. "Eles [os bancos] têm poder para destruir as suas vidas", disse Elmer».


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