01/07/2015

SOBRE O FENÓMENO DOS 'EMPREGOS DE MERDA' - uma análise crítica

Um texto interessante do antropólogo inglês David Graeber - considerado um dos 'pais' do movimento Occupy Wall Street.

Ver AQUI a análise de Graeber.



COMENTÁRIO CRÍTICO DO TEXTO

O texto tem qualidades, ao alertar para a tremenda degradação do trabalho, mas acaba ele-mesmo por ser também um "texto de merda", para usar a expressão feliz do seu próprio título.

Não admira que grupos como o Colectivo Libertário (Évora) ou movimentos como o "Anonymous" ou o "Occupy Wall Street" ou equivalentes portugueses Plataformas 15 Outubro ou Que se Lixe a Troika acabassem por não dar em nada, após um ímpeto inicial.

Pesem as boas intenções dos iniciadores, são - tal como o Podemos ou o Syriza . movimentos baseados em ideias inconsistentes, como algumas das deste texto. 

Um pensamento inconsistente conduz a uma ação inconsequente.

Por inconsistente, vejamos.

Citação do texto: 

"(...) a resposta não é económica, mas moral e política. A classe dirigente descobriu que uma população feliz e produtiva com abundante tempo livre nas suas mãos representa um perigo mortal
(...) quem não esteja disposto a submeter-se a uma disciplina laboral intensa durante a maior parte da sua vida não merece nada, é algo que lhes é muito conveniente"


Portanto, David Graeber acha que os "trabalhos de merda" são consequência, não da evolução imparável da lógica interna e "normal" do capitalismo globalizado, mas duma decisão consciente e "malvada" das classes dirigentes.

Discordo. Mesmo não pensando que tudo no sistema é espontâneo. 

As conspirações existem. Ou seja, o planeamento maquiavélico de crises, golpes, pseudo-revoluções, existe. A política de austeridade na Europa é intencional, e é um exemplo disso.

Mas há outros fenómenos tão complexas que não podem ser fruto de nenhuma "conspiração global".

A degradação do emprego (qualitativa e quantitativa) nos países do centro do sistema é um deles.

Os empregos "úteis" diminuiram e os "inúteis" aumentaram pela simples desindustrialização e deslocalização maciças do centro para a periferia do sistema.

Portanto, as causas são fundamentalmente económicas, ao contrário do que no fundo o autor pensa, malgrado as ambiguidades do costume. 

Toda a gente sabe que a China passou a ser a “fábrica do mundo”, que grande parte do que se compra vem da China. Logo, deixou de ser produzido nos países centrais ao sistema.

E então porque se criam tantos empregos de telemarketing, caixa, solicitador litigioso, vendedor, etc., além dos Serviços diversos?

Duma forma necessariamente um pouco simplista e esquemática, para poupar palavras:

Os setores que permanecem nas economias ditas ricas, aquelas que são (ainda) o centro do sistema, são os setores comerciais, financeiros, publicidade e serviços em geral.

Ficam os trabalhos que são inevitáveis (limpeza, transportes, saúde, educação, etc.), os de comercialização e os serviços diversos,
Mas também os empregos superiores, dos altos quadros, e os intermédios - investigadores,  técnicos e criativos em geral - que o texto ignora.

Em esquema:




A questão é essencialmente de custos. 

Tanto a deslocalização para a periferia dos "empregos de verdade", como a degradação (aumento do horário, diminuição do salário) dos "empregos de merda" no centro do sistema resultam da competição feroz entre os grandes conglomerados económicos pelo abaixamento dos custos.

Um outro factor é a financeirização da Economia.

Esta já é mais complexa. Foi a forma do sistema (aí sim, conspiração dos grandes bancos) sobreviver nos países do centro e de as respectivas economias não desmoronarem  (mas só em parte, já que a crise é um sintoma de desmoronamento).

E como? Mantendo o controle do sistema financeiro a nível mundial, quer através do mecanismo parasitário do dólar e duma rede de offshores opaca, quer pela atração de capitais especulativos e provenientes das economias paralela e subterrânea, em busca de refúgio ou de lavagem.


Estas parecem-me as ideias certas sobre o fenómeno dos "empregos de merda". Lamento ter que desmistificar as ideias simplistas. 

Como dizia Agostinho da Silva: arrumar a cabeça para arrumar a vida - no caso, a vida como ação transformadora e de combate às injustiças, por um mundo melhor.


2 comentários:

  1. INteressante sua análise, não tinha pensado por essa perspectiva.

    ResponderEliminar
  2. Parece-me que Graeber tem razão numa coisa. Não se entende que persista o horário de trabalho de 8h diárias quase 100 anos após a sua implementação. Existe de facto uma decisão consciente de não reduzir esse horário talvez para não criar uam ideia de libertação que pode embalar para algo descontrolado, isto é, ameaçar o domínio das classes dirigentes. É por demais evidente que já podiamos estar a trabalhar 6h diárias com uma sociedade perfeitamente funcional. Ainda acresce a isto o tempo de almoço e deslocação que mantêm muita gente 11h diárias sem poderem dispor livremente do seu tempo

    ResponderEliminar